terça-feira, 14 de agosto de 2012

Galpões do Rio ganham novas cores com a ocupação criativa de espaços

O galpão da estilista Isabela Capetto em Olaria Foto: Camilla Maia / O Globo
O galpão da estilista Isabela Capetto em Olaria Camilla Maia / O Globo

Isabela Capeto, Marco Nanini e Zanini de Zanine são alguns dos responsáveis pela revitalização


RIO - No lugar onde funcionava um depósito de tecidos, agora são costurados vestidos bordados à mão. Não distante dali, uma antiga fábrica de copos descartáveis virou centro cultural. A produção de pisos de cerâmica chegou ao fim em outro endereço, e abriu espaço para espetáculos teatrais. A ocupação criativa de galpões está dando o que falar na cidade. Por trás do movimento, pessoas (como as que você vê nestas e nas próximas páginas) em busca de amplitude e preços atrativos — o metro quadrado para aluguel varia de R$ 13 a R$ 20. A iniciativa no industrial cenário dos 8.500 galpões da cidade, listados pela Secretaria municipal de Fazenda, começa a imprimir cores em depósitos abandonados e armazéns subutilizados.

Ateliê de Isabela Capeto - Numa rua do subúrbio carioca, onde moradores lavam o carro com mangueira na calçada, uma escadaria discreta desemboca no novo ateliê da estilista Isabela Capeto. A 500 metros do Olaria Atlético Clube, o famoso estádio da Rua Bariri, o cinzento galpão que até outrora funcionava como depósito de uma malharia foi transformado numa colorida fábrica de moda. Nos últimos seis meses, Isabela ambientou o espaço com móveis de Sergio Rodrigues, forrou divisórias com tecidos de coleções passadas e pendurou bonequinhas nas telhas de amianto.
— O galpão abriga a parte criativa da marca. Aqui tenho espaço físico para pintar, bordar, inventar — conta Isabela.
A mudança de escritório do Humaitá para Olaria aconteceu logo depois que a estilista conseguiu recuperar, a duras penas, os 50% de sua marca da holding InBrands, formada por ex-sócios do banco Pactual que a ela se associaram em 2008:
— Precisava respirar novos ares. Foi ótimo ficar longe do circuito, mais outsider.
Moradora da Lagoa, Isabela vai para Olaria todos os dias de manhã, após deixar a filha na escola. Às 8h, os 12 funcionários já trabalham a todo vapor entre 20 mil metros de tecidos e um sem-número de aviamentos. Nos fundos do galpão, araras guardam vestidos criados pela estilista nos últimos nove anos. Num canto e outro, manequins vestem as primeiras das 400 peças da próxima coleção, que será lançada em agosto na nova loja, em Ipanema. Sexta-feira é dia de almoço comunitário, e cada funcionário leva um prato.
— Feijão com linguiça faz sempre sucesso — diz Isabela.
Pouco antes das 17h, o sino toca na fábrica vizinha. É hora de desligar computadores e máquinas de costura: o galpão abre e fecha em sincronia com a indústria local.
Estúdio de Zanini de Zanine - O designer (ao lado) cria peças para a próxima Feira de Milão e prepara seu espaço de criação, no Santo Cristo (acima), para ser visitado pelo público na ArtRio
No galpão de 600 metros quadrados ocupado pelo premiado designer, começam a ser desenhadas peças a pedido de diferentes marcas italianas que estarão na Feira de Milão 2013. Já o mobiliário encomendado para a área VIP da ArtRio, que vai acontecer em setembro no Píer Mauá, está em fase final. Em meio aos esboços, Zanini de Zanine também pensa como vai preparar o galpão, no Santo Cristo, que foi escolhido para integrar o roteiro de visitas guiadas da feira de arte internacional sediada na cidade.
— Nem quero fazer muita coisa porque o legal é deixar o ambiente cru mesmo, com as características e o charme de um galpão — conta ele.
Desde que mudou seu estúdio-fábrica-estoque de São Cristóvão para lá, nove meses atrás, a ideia é essa mesmo: mexer o mínimo possível. Logo na entrada, Zanini apenas cobriu uma das paredes com cimento queimado e colou o nome de uma de suas marcas — a Punch, cujos cachepôs de plástico ganharam o IF Award 2012, importante prêmio alemão dedicado ao design. Da outra marca, que leva seu nome, saem criações mais autorais, de madeira, polietileno e carbono. Algumas dessas peças ficam espalhadas pelo espaço, formando um showroom.
O lugar, aliás, já começa a receber compradores para além dos habituais arquitetos.
— Já recebi gente do Instituto de Moda da França, diretores de marcas estrangeiras. Quem vem de fora está identificado com esse formato, de galpões bacanas em bairros do subúrbio — diz Zanini.
Galpão Gamboa - Nos fundos da Cidade do Samba, com vista para o Morro da Providência, o Galpão Gamboa é ponto de encontro da turma do teatro. Idealizado pelo ator Marco Nanini em parceria com o produtor Fernando Libonati, o espaço foi pensado para abrigar espetáculos, oficinas, festas.
— O galpão pode parecer fora de mão. Mas, nos últimos dois meses, já vim a três festas e a quatro espetáculos. Aqui, a classe teatral se sente em casa — diz o ator Renato Carrera, que semana passada encenou "Feriado de mim mesmo", com o coletivo Teatro de Extremos, no palco do Galpão Gamboa.
Nesta semana, Nanini começa a passar lá o texto de "A arte e a maneira de abordar seu chefe para pedir um aumento". Há quatro anos, o espaço foi comprado para ser a sala de ensaio das produções da companhia Pequena Central. Em agosto de 2010, os 800 metros quadrados foram abertos ao público com "Pterodátilos". Até o fim do ano, a ocupação artística vai se expandir para o galpão vizinho, uma antiga fábrica de pisos, e ganhar 600 metros quadrados.
— Decidimos que era hora de crescer pois já estamos com a pauta lotada. Olha que chique! — comemora Nanini. — A ideia é aproveitar a informalidade dos galpões. Não transformar nada, só adaptar.
Localizado no térreo, o teatro abre nos fins de semana. No segundo piso, funciona o ateliê do figurinista Antonio Guedes. Nas festas mensais, Aconchego Carioca, Bar da Portuguesa e Bracarense se revezam nos comes e bebes. E no terceiro piso rolam ainda aulas de muay thai e ioga para a comunidade.
— A essência do galpão é integrar cultura, educação e saúde — explica Nanini.
Galpão Bela Maré - Carlos Vergara, Vik Muniz e Daniel Senise estão entre os medalhões confirmados para participar da segunda edição do "Travessias", sob curadoria de Raul Mourão, no Bela Maré. A exposição vai marcar o primeiro ano de atividades do galpão, localizado em uma das entradas da favela mais populosa da cidade, na altura da passarela 10 da Avenida Brasil, ocupado desde novembro passado por instalações, fotografias e videoarte.
— Será uma exposição que poderia estar em qualquer lugar do mundo, com o melhor dos artistas. Além das obras, $programação paralela com gente que pensa a cidade — conta Raul, que expôs no primeiro "Travessias" e, mobilizado pelo trabalho de Jailson de Souza e Silva, o coordenador do Observatório das Favelas, abraçou a causa.
Em paralelo aos preparativos para a mostra, o Bela segue rotina com oficinas de artes. Desde sábado passado, o multimídia Romano trabalha o tema "Paisagem sonora urbana". A curadora Daniela Labra cuida da programação até setembro:
— O diferencial desta iniciativa é o local onde o galpão $á inserido, e o significado que é reformar e adaptar uma fábrica de copos e artigos descartáveis desativada para se tornar um centro cultural contemporâneo — diz Daniela.
Os R$ 300 mil do pagamento pelo galpão foram quitados mês passado — graças a doações. O próximo passo é finalizar obras estruturais.
— Vamos manter o perfil industrial do galpão e sofisticar nos cuidados para inspirar sentimentos mais poéticos — explica Jailson, que nomeou a cineasta Fabiana Gomes, nascida e criada na Maré, como coordenadora espaço.
Zazá em casa - Cinco cozinheiras recheiam coxinhas de galinha orgânicas, enquanto um funcionário recebe engradados de bebidas e a restaurateur Zazá Piereck testa novas receitas no mesão de madeira de demolição. Tudo acontece junto e misturado no $espaço de produção e criação do bufê Zazá em Casa, em São Cristóvão.
— Toda quarta-feira é sagrada: experimento novas receitas e faço degustações com o chef Pablo Vidal — diz Zazá.
As equipes do Zazá em Casa e sua versão mirim, o Zazá para Filhotes, mudaram-se para o casarão nas imediações da Feira de São Cristóvão há dois anos. Semana passada, as cozinheiras fabricavam o pão de linhaça do couvert do restaurante, em Ipanema, e preparavam, de olho na janela, os quitutes para servir à noite na casa da atriz Camila Pitanga.
— Gosto de ver os casais saindo do Colégio Pedro II. O pessoal de São Cristóvão é muito simpático — comentou a cozinheira Telma Cruz.
Fabrícia Dimlux - O endereço é frequentado por light designers como Maneco Quinderé e arquitetos do naipe de Bel Lobo e Marcelo Jardim. É lá que a turma escolhe parte das luminárias que vão parar em seus projetos ou encomendam alguma criação sob medida. Da Dimlux saem ainda lustres e abajures que vão rechear lojas pela cidade inteira — de Copacabana a São Cristóvão.
Os sócios, os argentinos Gustavo di Menno e Matias Romero, tocam o negócio há 16 anos e já trocaram cinco vezes de galpão — sempre crescendo em metragem. No atual, no Santo Cristo, são 3.500 metros quadrados. Atrás de um portão moderninho, que mistura alumínio in natura com o material pintado de amarelo-ovo, são produzidas cerca de 14 mil peças por mês.
— Um lugar grande assim só inspira o crescimento — afirma Matias. — Ano que vem, vamos inaugurar uma marca dedicada exclusivamente ao LED.

Fonte: http://ela.oglobo.globo.com/vida



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